quarta-feira, 19 de novembro de 2008

CORTANDO NA CARNE OU COMO ESQUECER ?

Rupsilva

CENA UM
Sol a pino, calor infernal, periferia da cidade. Dezenas de pessoas se aglomeram na frente da casa de um “coordenador” do candidato eleito para receber a segunda parte do “trabalho” feito durante a campanha. O tempo esquenta e nada! Gritos, empurrões e ameaça de atear fogo na casa do dito “coordenador”. Acionada chega a polícia para por ordem na casa.

CENA DOIS
Nas baixadas, onde mora um quinto da população da capital, sobre passarelas agitadas, servidores estaduais “engajados” na campanha vitoriosa correm para pagar promessas de campanha. Passado o risco da vigilância policial e judicial, cestas básicas, kit bebe e outros mimos eleitorais são entregues sem nenhum atropelo, na maior cara de pau.

CENA TRES
Três meses antes das eleições era difícil entrar em qualquer prédio do Super Fácil sem deparar com o sorriso largo de um funcionário (a) a lhe desejar bom dia e orientá-lo ao atendimento correto. Dezenas de novos servidores entulham os corredores dessas instituições. Semana seguinte à eleição, tudo volta ao que era dantes. Sumiram as pessoas e seus belos sorrisos.

CENA QUATRO
Como na Câmara Municipal e outras instituições da administração direta e indireta do Estado e Município, ocorria o mesmo fenômeno. Centenas de pessoas demitidas sem justa causa, terminado o pleito e seu objeto. Uns espernearam outros não. Não há de ser nada, em 2010 tem mais. O governo continuará bonzinho por dar um trabalhinho, ainda que temporário, ainda que a cada dois anos, ainda que por apenas três meses.

CENA CINCO
Grave, muito grave. Juiz eleitoral é convocado para flagrar uma monstruosa “boca de urna” no Novo Horizonte. Algo em torno de oito milhões seria repartido entre cabos eleitorais de todos os coturnos, principalmente deputados.
O magistrado diante do crime, da arma e dos autores do crime, não pôde cumprir a lei, embora lá estivessem todos os elementos e evidencias que tipificam um crime. É que do outro lado estava um esquadrão da polícia civil, delegado e tudo, garantindo ter feito o serviço que o TRE não solicitara e que na “vistoria” nada encontrara de ilegal, relatou estarrecido alguém presente à cena.
A PF, que deveria garantir a diligencia, não foi encontrada. E para completar surge a figura de um deputado estadual, não satisfeito, que dá um pito no juiz, desafiando sua autoridade, do alto de sua arrogância de coronel do barranco. E nada vai acontecer.

CENA SEIS
Nos charcos e baixadas da cidade, em ritmo alucinante, um sobe e desce de bandeiras jamais visto, mesmo sendo um comercio comum às campanhas eleitorais, espécie de área de livre comércio de aliciamento eleitoral.
Ninguém importuna ninguém. Quanto vale tirar essa bandeira aí? Gritam de dentro de reluzentes hillux, Corolas, Tucsons, Pajeros e Fusions representantes engravatados da “emergente classe empresarial” do Amapá, que não quer trabalhar e enriquece a custa do dinheiro público.
Como nas operações da bolsa o preço do voto aumenta no compasso do risco do governista perder e alcança o limite do céu. Uma onça? Nem pensar! Cenzinho! Duzentos! Quinhentos! O mercado endoidou e teve família que levou mais de três mil. Quanto custará em 2010? Estabelecido novo up grade, só Deus sabe.

CENA SETE
Tem a ver com a de cima. No comitê do adversário, viajando em céu de brigadeiro, vitória praticamente consumada, segundo pesquisas folgadas, repentinamente criou-se um frenesi em busca de material de campanha.
Era o prenúncio da vitória consolidada. Adesão dos indecisos ou a fuga em massa dos adeptos dos outros candidatos derrotados no turno? Um eleitor sincero ou um avião de carreira?
Nada disso, tudo tinha a ver com o mercado de votos da periferia, a área de livre comercio que operava sem atropelo que tinha alcançado valores estratosféricos por qualquer material de campanha do adversário. Sem o espólio do candidato, depois derrotado, era impossível garantir o seu.

CENA OITO
Na vigência da lei eleitoral os meios de comunicação do Estado, todos, clientes do governo, torcem abertamente e comentam favoravelmente ao seu candidato. De manhã, à tarde e à noite. Sempre alguém no ar, um jornal nas bancas ou um comentário faccioso na TV. Todos, a uma só voz, ofendem, mentem e sonegam informações.
Estabelece-se o conflito entre o que é crime eleitoral e livre pensar ou liberdade de opinião e de imprensa, inexistente pela ausência do contraditório e pelo claro objetivo de atingir o adversário. A prática, à luz da lei eleitoral, é ilegal pois quebra o equilíbrio da disputa. Inúmeras pessoas, gente simples da sociedade, se importaram. Outros que deveriam, nem tanto.

CENA NOVE
Numa sala de aula, crianças e jovens em processo de formação intelectual, professora “orienta” a votar no projeto Eleitor do Futuro, uma bela sacada do TRE. Não deixa por menos e tasca: se vocês não votarem no candidato do governo “o pai do outro” vai comer vocês à noite! Conclusão, as crianças apavoradas entram em crise de pânico e levam o dilema pra casa. Os pais, alguns, se ofendem pelos filhos e protestam. Enquanto isso, o outro pai, o do candidato, vai ficar marcado para as próximas gerações. Tem coisa mais maquiavélica!

CENA DEZ
Dois funcionários graduados do governo, secretário e adjunta, resolvem entrar de cabeça na campanha do candidato do chefe. Enquanto um comanda milícias contra adversários disposto a trocar socos e pescoções e agita bandeira nas esquinas, a adjunta dá uma definição equivocada da instituição Estado. Trata o mesmo como se fosse propriedade do governador para amedrontar incautos (a maioria professores, pasme!) funcionários públicos. Não pertence a esse nem a nenhum outro, como sabe ou deveria saber a professora. Enquanto isso a educação despenca suas taxas de avaliação.

CENA ONZE
Mais uma batalha judicial se anuncia. O candidato oficial usa todas as armas para impedir que a justiça autorize a divulgação de pesquisa do calejado IBOPE que confirmava a vitória do adversário com uma diferença de 17 pontos percentuais no segundo turno.
Na semana decisiva, seria a pá de cal que soterraria uma candidatura que não convencia o eleitor, encantado com os jovens que prometiam mudar a cidade e suas vidas. Vai pra cima, vai pra baixo, nada de IBOPE e sua projeção. No lugar dele, como no velho script, a Brasmarket, novamente ela, divulga, sem qualquer embaraço um empate entre os candidatos, confirmado pelo IBOPE que enfim apareceu, cujo crédito era necessário para dar veracidade a mesma.
Um “empate técnico perfeito”, foi o máximo que conseguiram. Não há de ser nada, o povo induzido faltava só um empurrãozinho, nada que os recursos de campanha não pudessem resolver. Não do caixa um, óbvio, mas do caixa dois, da grana suja, sem origem, sem nota, sem emitente, sem destinatário.

CENA DOZE
Era o primeiro turno ainda. Eleição caminha sob controle. Diante dos elogios rasgados ao trabalho do TRE, autoridade governista exclama: “há, vocês acham que a justiça está boa agora, no segundo turno não quero choradeira”. Como diz o filosofo Millor Fernandes que livre pensar é só pensar, hoje tenho quase certeza do que queria dizer a autoridade. Mas pode ser que quisesse dizer outra coisa. Não sei...

CENA TREZE
Acuado por um adversário que imaginou morto, governador reúne empresários de grosso calibre, num hotel da cidade, para uma cartada final e de grande efeito eleitoral.
Em troca de renuncia fiscal, desta feita com selo oficial, queria o voto dos seus funcionários, do lavador de chão ao mais graduado.
Enquanto o governo operava seu mercado de facilidades com a turma da grana, o sindicato dos empregados fazia de conta não ver nem ouvir o achaque aos seus filiados.
Então os empresários (alguns constrangidos e incomodados, é verdade), democratas que são, amantes da livre iniciativa, do livre arbítrio, do ir e vir, do respeito ao direito do cidadão, dão o seu recado aos empregados, mais ou menos no tom do dito popular: “ou dá ou desce”. Não só deram como se deixaram “estuprar” no seu sagrado direito.

CENA QUATORZE
Vereador derrotado, membro da Universal, se despede de um amigo dizendo ter que comparecer a residência oficial, a pedido, para comandar um “descarrego”. O clima estava pesado e as coisas difíceis “desde que o adversário mandara buscar na Bahia um macumbeiro que espalhara na praça um satanás, chifre, rabo e fogo pelas ventas, a imagem e semelhança do adversário e seu pai”, que enfeitiçara o eleitorado.

Da residência saiu com a missão de disseminar a mensagem de um deus falso, postiço e endinheirado, por todos os “templos” da seita. Imaginem o estrago se somado a outras tantas igrejas evangélicos que aderiram à campanha, ludibriando a boa fé dessa pobre gente, vitima desses enganadores e falsos profetas.

CENA FINAL
Na calada da noite, o autor dessa tragédia, figura maligna e sinistra feito um vampiro, dentes pontiagudos esguichando sangue, capa preta, bigodes enormes, sai pelas portas do fundo, às escondidas, olhando para os lados se enfia na sua tumba. Um último suspiro, sorrisinho de escárnio, pela missão cumprida, pelo mau bem feito.

Como jogar tudo para baixo do tapete sem feder? Ainda que o vencedor ande de ônibus, visite gabinetes em Brasília, especule seus secretários, dê mil entrevistas, se torne humilde servo de Deus, nada o fará, agora, melhor do que antes. E há dois fatos concretos, a eleição foi fraudada e não terminou, por isso está sub-judice.

São milhares de denuncias, dezenas de envolvidos, políticos de calibre, secretários de estado e pelo menos dezessete ações formalizadas contra o candidato no TRE. Por que fazer de conta que tudo voltou ao normal?

Depois essa não é uma questão qualquer, mexe com a consciência de todos, diz respeito à cidadania, à soberania do povo, à sua vontade eleitoral e ao futuro do Estado. Nada a ver com a opção política de cada um, mas contra o ridículo ser ou não ser amarelo e azul que reduz o debate.

Quanto às cores, não as estigmatizem, por favor! Um viva a todas elas: ao blue dos blues, eternos blues e da pérola azulada do Zé Miguel, ao yellow do submarinho dos Beatles, que embalou nossos sonhos adolescentes e das borboletas do verão, ao green que de quero verde, do nosso paraíso amazônico, ao red do bull e dos corações enamorados que nos leva as alturas, ao brown dos nossos sapatos charmosos e ao branco da paz e da pureza. Sarava irmão!

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