quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Pescando no lago da dor

Do sitio do Correa Neto.

Pouco depois da vergonhosa farsa eleitoral ocorrida em Macapá, conversei com um jovem amigo, militante político preocupado com as injustiças, quase descrente de que as coisas possam mudar, mesmo quando os números da própria farsa diziam que as coisas estão mudando.
- “O povo vendeu sua dignidade”, disse lembrando a verdadeira avalanche de dinheiro roubado do povo e distribuído parcialmente, de volta, na compra de votos.
Contei para ele o que me havia sido contado algumas horas antes, por uma outra pessoa.
O cenário era uma área de baixada, mais ou menos onze horas de uma noite clara, dois dias antes da eleição. O odor fétido se espalhava. O homem observava a cena, da janela de sua casa um pouco acima da área alagada não estranhava. Um emprego fixo e um salário, o haviam retirado da situação em que muitas famílias ainda se encontravam.
Pensando nos filhos que podiam brincar sem o risco de cair nas águas misturadas com dejetos, ouviu choro de crianças e viu a mulher sair de um cubículo retorcido quase caindo na imundície. Ela também chorava, mas não emitia som algum. As costas das mãos passadas, ora uma ora a outra, sob os olhos, mostravam que limpava as lágrimas que teimavam em cair. Seus filhos certamente estavam com fome, porque ela encostou-se à parede de madeira e jogou uma linha no alagado. Aquela mulher, símbolo da miséria construída pelo egoísmo, estava pescando naquele lago de merda, e o peixe que por milagre arrancasse dali, daria para seus filhos como alimento.
Era uma cena que se repetia quase todos os dias, levando de roldão a dignidade das pessoas submetidas à fome, deixando no chão a auto-estima, fragilizando as defesas, e os cidadãos entregues â sanha do primeiro inescrupuloso que se apresentasse com uma pequena quantidade de dinheiro ou cesta básica, comprada com o dinheiro de todo mundo, mas “doada” como um favor de uma dondoca inconseqüente qualquer.
Contei isso ao meu jovem amigo e disse a ele que as pessoas com fome não vendem sua dignidade porque a dor esconde o amor-próprio. Elas vendem um pedaço do sofrimento acumulado, principalmente quando isso envolve crianças, mais indefesas ainda. Dois dias depois aquela mulher trocou seu voto por um ou dois dias de alívio. Ela não tem idéia de que os que compraram seu voto são os mesmos responsáveis por sua miséria. Ela precisava de alguma coisa para se manter viva, e os criminosos sabiam disso. Compraram o voto dela.

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